6.4.10

O que nem todos conseguem perceber...


    Regra básica do futebol: uma partida tem 90 minutos de duração. Oficialmente, um jogo começa quando o árbitro apita a saída de bola e termina quando ele ergue o braço. Mas só na teoria. Na prática, uma partida começa muito antes, no corredor que leva ao gramado, e termina bem depois, no túnel que conduz os jogadores de volta aos vestiários. 

Podem chamar de intimidação, pressão ou até de ameaça — o fato é que sempre se utilizou o estratagema de provocar o adversário no túnel na tentativa de ganhar uma vantagem psicológica antes de a bola começar a rolar. Duvida? Pois basta dar uma olhada naquela histórica cena que antecede a decisão entre Brasil e Itália, na final da Copa do Mundo da FIFA Estados Unidos 1994: Roberto Baggio, craque italiano, medindo longamente cada centímetro de Romário, como quem tenta adivinhar o estado de espírito do artilheiro que poderia decidir o título.

Na América do Sul, a intimidação também faz parte do jogo. Dá até para dizer que ela é um elemento crucial da famosa garra charrúa do Uruguai. A reputação da bravura uruguaia nasceu nos vestiários, mais precisamente nos do Maracanã, na final da Copa do Mundo da FIFA 1950. Conscientes da condição de zebra e impressionados pelos cerca de 200 mil brasileiros que os esperavam na saída do túnel, os jogadores da Celeste imaginavam que seriam devorados pela Seleção

Menos Obdulio Varela. "Não pensem em todo esse povaréu nem olhem para cima", ordenou o capitão, antes de entrar no gramado com os companheiros. "A partida será jogada aqui embaixo e, se ganharmos, eles não podem fazer nada. Para vencer, é preciso ter perna e peito." Noventa minutos depois, silêncio no Maracanã: os uruguaios são campeões do mundo.

Alguns dias antes, porém, um outro incidente acontecido nos bastidores do estádio carioca havia favorecido os brasileiros. O melhor jogador da Iugoslávia, Rajko Mitic, teve a falta de sorte — ou de elegância — de bater em uma viga e cortar a testa. Assim, os iugoslavos começaram a partida com dez jogadores. Quando o artilheiro entrou em campo, com a cabeça enfaixada, Ademir já havia marcado o primeiro gol da vitória brasileira por 2 a 0.

O corredor é um lugar muito propício a acidentes e, meio século após o corte de Mitic, o escocês Michael Stewart ainda não havia aprendido a lição. Expulso da partida contra o Hamilton em dezembro de 2009, o meio-campista do Hearts teve a péssima ideia de descontar a raiva com um pontapé na parede, e desabou de dor na galeria. Em outra partida do Hearts, desta vez contra o Celtic, o árbitro da partida provocou risos no túnel ao tomar um pequeno choque do seu ponto eletrônico.

À beleza italiana, Bertie Auld decidiu opor as suas cordas vocais. O meio-campista começou a cantar um hino do Celtic e os companheiros logo o acompanharam, para surpresa geral dos nerazzurri. Eles devem ter ficado surpresos também ao verem o placar do estádio indicar 2 a 1 para os escoceses, ao final do jogo. Nascia assim a lenda dos "Leões de Lisboa".

Jogos de palavras
    O túnel é um bom lugar para se ganhar um jogo, mesmo que às custas de muita provocação. Se os protagonistas forem os capitães de dois grandes clubes ingleses, e jogadores conhecidos pela personalidade forte, o estádio pode até tremer. Em todo caso, foi isso o que sentiram os torcedores em Highbury, a antiga casa do Arsenal. Em uma partida do clássico contra o Manchester United, Patrick Vieira e Roy Keane deram o tom do confronto. Depois da troca de gentilezas entre Vieira e Gary Neville no estreito corredor do histórico Highbury, o irlandês deu o seu recado ao capitão dos Gunners dentro do gramado. "Cala a boca, a gente se encontra lá fora. Para de bancar o bonzinho", disse Keane entre dentes, apontando o dedo para o adversário, em um gesto que entrou para a antologia de rixas da Premier League. Talvez Vieira ainda lembrasse das palavras de Keane quando abriu o placar para o Arsenal, mas a última palavra, dessa vez, coube aos Red Devils, que venceram por 4 a 2 no território rival.


A história deve trazer algumas lembranças para outro francês, o zagueiro Basile Boli, famoso pela, digamos, falta de delicadeza. Em uma partida contra o Nantes na década de 1980, o defensor do Auxerre recebeu a missão de marcar o temido atacante iugoslavo Vahid Halilhodzic. "Ganhei o jogo no túnel", contou Boli alguns anos mais tarde. "Estávamos lado a lado no corredor e disse a ele: 'você está ferrado'. Ele ficou morrendo de medo. Não jogou nada."

Os ingleses do Liverpool conquistaram a Europa cinco vezes e entraram para o panteão do futebol mundial. Um dos elementos que contribuem para o mito é a inscrição This is Anfield, que decora o corredor que dá acesso ao campo. Além de intimidar os adversários, ela serve também para motivar os locais, que seguem a tradição de tocar o painel antes dos jogos, para dar sorte. Derrotados pelos Reds por 3 a 1 após terem vencido por 1 a 0 em casa em 1977, os franceses do Saint-Étienne talvez tenham se inspirado na ideia para escrever "Aqui é o caldeirão" sobre o túnel que leva ao gramado.


Arrogância e bom humor
    Hoje, os jogadores do Lyon estão mais solidários no vestiário. No recente duelo contra o Real Madrid pelas oitavas-de-final da Liga dos Campeões da UEFA, os atacantes argentinos Lisandro López e César Delgado fizeram questão que o merengue Sergio Ramos não esquecesse as declarações que fizera antes da partida. "Você não havia dito que o Real ganharia por 3 a 0?" Após a vitória francesa por 1 a 0 no jogo de ida, o defensor espanhol havia previsto vitória fácil para o time galáctico em Madri. O empate em 1 a 1 no Santiago Bernabéu fez com que Ramos revisasse a sua análise, mas ele não deixou de dar uma lição de moral nos adversários. "É preciso saber perder, mas também é preciso saber ganhar", ensinou.

Romário se celebrizou por rompantes parecidos, mas com os jogadores do seu próprio time. Na primeira partida do brasileiro no Campeonato Espanhol, o goleiro Andoni Zubizarreta tentou dar a ele alguns conselhos sobre o arqueiro adversário. O Baixinho interrompeu e disse: "Espera. Você vai me ensinar a fazer gol?" Resultado: o Barça venceu por 3 a 0, os três de Romário.


Mas o bom humor e a descontração brasileira no túnel nem sempre produzem resultado positivo. As jogadoras da Seleção devem estar arrependidas até hoje por terem cantado e dançado no corredor que dá acesso ao gramado do Estádio de Xangai, antes de disputarem a final da Copa do Mundo Feminina da FIFA contra a Alemanha em 2007. As germânicas tomaram a atitude como provocação e ganharam uma motivação extra para vencer por 2 a 0.

Embora muita coisa aconteça no túnel, é preciso escolher o momento certo para passar por ele. O ex-presidente da UEFA, Lennart Johansson, aprendeu a lição na prática. Aos 45 minutos do segundo tempo da final da Liga dos Campeões de 1999, ele deixou a tribuna para entregar o troféu ao Bayern de Munique, que ganhava do Manchester United por 1 a 0. No caminho, Johansson cruzou com Bobby Charlton, ídolo dos Red Devils, e lhe transmitiu um solidário "Sinto muito". Quando saiu do corredor, o United vencia por 2 a 1 e comemorava a vitória graças a dois gols marcados nos acréscimos.

Retirado de: # fifa.com (2 de Abril de 2010)

2 comentários:

  1. Muito Interessante essa matéria gostei muito.Como dizem por aii vivendo e aprendendo cada história sobre os tuneis que nen passava por minha cabeça essas histórias.

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  2. Também gostei muito dessa matéria. Pena que não fui eu que escrevi. Até porque há informações ai, que eu nunca teria acesso para colocar aqui.
    Mas gostei bastante tbm

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